Sabe, hoje tem alguma coisa que meus
sentimentos desejam falar, mas creio eu que não consegui resolver essa
incógnita ainda, pensei que fosse a saudade me sufocando, mas ela me parece
sendo usada, partir então para meu sentimento de culpa, ele estava colocando a
lenha na fogueira. Mas, e o fogo? Quem acendeu essa luz incômoda e latente?
Solidão.
Talvez ela estivesse com frio, e como
não é de receber visitas, me usou para se esquentar. Acordei pela manhã e
fiquei até à tarde em minha cama, percebi que estava chovendo, fiquei um pouco
imóvel, não queria me levantar nem tampouco ver o dia. Daí telefone toca, me
levantei e atendi, uma conversa sem nexo, era somente algum ser inconveniente
perturbando meu momento de quimera. Então, já levantado, e uma chuva levemente
saudosista me dava às boas vindas à solidão. Completamente sozinho em casa, e
cheio de pensamentos indesejados. Ah! Fui ver a chuva, tão efêmera e tão
concreta ao mesmo tempo, decidi ficar um pouco nos fundos da casa, pegando
alguns respingos da chuva, estava dando espaço a minha imaginação, estava mergulhado
em mim mesmo. E nas minhas primeiras braçadas, encontrei minha mãe, lembrei-me
de tempos tristes e de dores indescritíveis. Lembrei de um sorriso, de um
abraço, lembrei-me de tudo que já havia passado, minhas conquistas, minhas
derrotas, meus amigos, principalmente deles. Idealizei.
Também
me lembrei das mentiras e das hipocrisias que me cercam, um sentimento estranho
acabara de florescer, o ódio, fiquei tão próximo dele que gargalhei de forma
dolorosa, uma lágrima falsa pode machucar alguém, um sorriso falso pode
machucar a si mesmo. Comecei a delirar por dentro, onde por fora era uma
calmaria, internamente tornou-se insuportável, realmente estava sozinho, pensei
em alguma ajuda, ou telefonema. Não conseguia pensar por mim mesmo, meus
pensamentos trancafiados pela alienação já estavam jorrando por toda minha
calmaria, imagens violentas, mortes, tristezas, tinha que dar um jeito nisso
antes que perdesse a cabeça.
Alienei-me de volta, mantive o
controle passivo de mim, assisti a um anime político e existencial, me
transferi à personagem, analisando suas ações e lidando com os imprevistos. Ele
era líder de uma resistência que lutava para a reconstrução do país conquistado
por um império, mas sua vida pessoal estava em conflito. Ele conseguiu um
grande poder, e com esse poder lutava por uma causa. Mas suas ações estavam
entrando em contradição com sua ideologia, e afetava aqueles que ele amava.
Suas ações não poderiam ser mais justificadas como “boas” ou “ruins”, ele
realmente podia criar uma utopia, mas seus métodos eram tão desumanos quanto ao
império que lutava. Individualização das ações, a diplomacia da falácia, as
máscaras sociais que usava (e que nós usamos). Realmente estive na pele daquele
personagem, pude esquecer meus problemas e senti os seus.
Após isso, ainda sentia que algo me
incomodava e também não conseguir tirar absolutamente nada de concreto nesse
conflito interno, é como se meus instintos apontassem para algo que está claro,
mas eu não consigo ver. Se eu vejo, é porque talvez não o aceite como resposta.
Culpar alguém? Culpar-me? Algum sentimento? Mas aí cheguei à conclusão, não foi
a solidão que me deixou assim, ela desencadeou o que já estava contido em mim. O
meu processo de alienação me assegura que eu não irei pensar, é assim que me
defendo de mim, é assim que o capitalismo se defende. Creio eu que
existencialismo e política estão diretamente ligados, assim como o Estado inibe
a ação da sociedade civil através do controle dos meios de produção, da mídia e
do consumo do entretenimento, realizo os mesmos processos para inibir minha
essência. Quando reconhecemos a nós mesmos, sem precisar de uma sociedade para
nos autoafirmar, talvez seja o momento de também nos reconhecer como seres políticos
mesmo estando fora da política, então seremos capazes de construir utopias.