—Egoísta, egocêntrico,
narcisista, interesseiro, altruísta por reconhecimento, orgulhoso. Ah, como
você é realmente nojento. Faz-me pensar que você é humano, e eu desejo
santificado.
—Desculpe-me, senhor,
não quero ser assim, na verdade, todos nós somos assim. O que desejo é
compreender o eu alheio e ser compreendido nas situações que me cabe ser tão eu
como outro "eu" qualquer.
—Você esconde algo nessas
palavras difíceis, algo o qual me parece muito verdadeiro. Eu sei muito bem que
você mente, mente tão convincentemente que a sua própria mente lhe diz coerente.
Mas há aqui o que não há em lugar algum a não ser em você mesmo, o seu próprio
mundo com suas regras. Não me peças desculpas, as consequências por acreditar
em um mundo próprio já lhe são doloridas o suficiente ao conflitar com o
material.
— Você mente. Sente a
mesma dor e lástima medíocre mas tão viscerais. Minhas palavras são assim pois
são as quais se aproximam daquilo que realmente vejo e desejo ver. O belo e o
grotesco dialogando em mim e se reverberando em cada pedaço da minha
existência, em cada gesto, em cada querer. Amo, mas não amo do amor
idealístico. Odeio, mas não odeio com ódio repressivo. Escuto, mas não por
escutar, por saber que eu também posso ser a pessoa a qual fala. E posso fazer
exatamente o oposto do que digo, não sou uma rocha eterna. Eu humanizo-me para
humanizar.
—Trapaceiro audacioso!
Demagogias não funcionam comigo, sou aquele que quer calar, reprima-me para não
lhe dizer mais verdades. És um cão sarnento, tão sujo quanto a rua que vives, sendo ela teu
orgulho estampado em teu peito escrito "liberdade". Poupe-me, eu
sou você, mas não sou você. O que deseja para além de você mesmo? Esperto
demais para o mundo? Sensível demais para sofrer? Orgulhoso demais para dar o
braço a torcer? Você procura gratidão, reconhecimento, reciprocidade apenas para
lhe satisfazer o ego. Não existe mais nada repugnante de manipular o sentimento
alheio para seu bel prazer.
—És tão eu como eu. É
tão humano como qualquer outro. Porque insiste em ser diferente de mim? O que
disse são verdades, mas não são só minhas. A hipocrisia e a moralidade são a
névoa a qual encobre os olhos. Não existiria outro mundo de mim se não fosse a
repugnância do concreto. Lhe reprimo para não causar nenhum mal a alguém, nem
todos podem se despir das suas moralidades e isso pode feri-las. É incogitável
em certas cabeças a possibilidade de ser e não ser ao mesmo tempo, de errar e
acertar na mesma ação, de dizer verdades falando mentiras. Você é o mais eu que
eu posso ser, é a expressão de todo meu antagonismo. Como pode alguém que fere
andar por aí sem ferir ninguém?
—Deixe-me em paz, falso
cordeiro! É uma raposa velha e agalhuda,
pacientemente esperando uma ovelha cair em suas presas em forma de palavras.
Sua intenção é não sentir culpa daquilo que faz, covarde, medroso! A vida ainda
lhe dá poucos tapas e se afugenta de dor em qualquer buraco para lamber suas
feridas. Como ousa me comparar consigo mesmo? Sou aquele que vê e lhe aponta
seus erros os quais apavora-se ao vê-los. Não tenho muitos sentimentos, apenas
faço ter ciência da sua consciência e de quem você realmente é.
—Eu sou eu e sou você. O orgulho provém de você, a esperteza provém de
você, minha sensibilidade provém de você, afinal, se eu não soubesse muito
sobre o mundo talvez não sofreria tanto. Aproxime-se, não sou lobo, não sou
nojento, não sou trapaceiro, sou eu e eu contra eu. E dentro do eu, se faz o
nós, mas pelo nosso bem há de ser feito um único eu. Ou não. Você não pode
existir sem que eu exista, assim como eu não posso existir sem que você exista.
Pegue sua raiva e atire contra mim, pegue sua culpa e atire contra mim, faça
valer os "poucos sentimentos" que possui na íntegra. Será o eu como
eu. Seremos nós o eu. Humanize-se! Culpa, remorso, medo, pavor, são sentimentos
os quais não se lidam sozinho. Se nem eu com meu eu consigo me unir, quem dirá
alguém para nos ajudar.
—Eu eu eu eu eu. Até para discutir isso você é tão egocêntrico.
—Céus, finalmente acabaram seus argumentos. Obviamente, é você quem
insiste em ser outro alguém, afinal, esse você sou eu. Nosso diálogo está longe
de acabar, mas por agora, vamos apenas deixar um "eu" sossegado? A
vida deve continuar, e não deve girar em torno do eu.
—Meu Deus. Meu dEU'S.