domingo, 3 de novembro de 2013

Eu


—Egoísta, egocêntrico, narcisista, interesseiro, altruísta por reconhecimento, orgulhoso. Ah, como você é realmente nojento. Faz-me pensar que você é humano, e eu desejo santificado.

—Desculpe-me, senhor, não quero ser assim, na verdade, todos nós somos assim. O que desejo é compreender o eu alheio e ser compreendido nas situações que me cabe ser tão eu como outro "eu" qualquer.

—Você esconde algo nessas palavras difíceis, algo o qual me parece muito verdadeiro. Eu sei muito bem que você mente, mente tão convincentemente que a sua própria mente lhe diz coerente. Mas há aqui o que não há em lugar algum a não ser em você mesmo, o seu próprio mundo com suas regras. Não me peças desculpas, as consequências por acreditar em um mundo próprio já lhe são doloridas o suficiente ao conflitar com o material.

— Você mente. Sente a mesma dor e lástima medíocre mas tão viscerais. Minhas palavras são assim pois são as quais se aproximam daquilo que realmente vejo e desejo ver. O belo e o grotesco dialogando em mim e se reverberando em cada pedaço da minha existência, em cada gesto, em cada querer. Amo, mas não amo do amor idealístico. Odeio, mas não odeio com ódio repressivo. Escuto, mas não por escutar, por saber que eu também posso ser a pessoa a qual fala. E posso fazer exatamente o oposto do que digo, não sou uma rocha eterna. Eu humanizo-me para humanizar.

—Trapaceiro audacioso! Demagogias não funcionam comigo, sou aquele que quer calar, reprima-me para não lhe dizer mais verdades. És um cão sarnento, tão sujo quanto a rua que vives, sendo ela teu orgulho estampado em teu peito escrito "liberdade". Poupe-me, eu sou você, mas não sou você. O que deseja para além de você mesmo? Esperto demais para o mundo? Sensível demais para sofrer? Orgulhoso demais para dar o braço a torcer? Você procura gratidão, reconhecimento, reciprocidade apenas para lhe satisfazer o ego. Não existe mais nada repugnante de manipular o sentimento alheio para seu bel prazer.

—És tão eu como eu. É tão humano como qualquer outro. Porque insiste em ser diferente de mim? O que disse são verdades, mas não são só minhas. A hipocrisia e a moralidade são a névoa a qual encobre os olhos. Não existiria outro mundo de mim se não fosse a repugnância do concreto. Lhe reprimo para não causar nenhum mal a alguém, nem todos podem se despir das suas moralidades e isso pode feri-las. É incogitável em certas cabeças a possibilidade de ser e não ser ao mesmo tempo, de errar e acertar na mesma ação, de dizer verdades falando mentiras. Você é o mais eu que eu posso ser, é a expressão de todo meu antagonismo. Como pode alguém que fere andar por aí sem ferir ninguém?

—Deixe-me em paz, falso cordeiro! É uma raposa velha e agalhuda, pacientemente esperando uma ovelha cair em suas presas em forma de palavras. Sua intenção é não sentir culpa daquilo que faz, covarde, medroso! A vida ainda lhe dá poucos tapas e se afugenta de dor em qualquer buraco para lamber suas feridas. Como ousa me comparar consigo mesmo? Sou aquele que vê e lhe aponta seus erros os quais apavora-se ao vê-los. Não tenho muitos sentimentos, apenas faço ter ciência da sua consciência e de quem você realmente é.

—Eu sou eu e sou você. O orgulho provém de você, a esperteza provém de você, minha sensibilidade provém de você, afinal, se eu não soubesse muito sobre o mundo talvez não sofreria tanto. Aproxime-se, não sou lobo, não sou nojento, não sou trapaceiro, sou eu e eu contra eu. E dentro do eu, se faz o nós, mas pelo nosso bem há de ser feito um único eu. Ou não. Você não pode existir sem que eu exista, assim como eu não posso existir sem que você exista. Pegue sua raiva e atire contra mim, pegue sua culpa e atire contra mim, faça valer os "poucos sentimentos" que possui na íntegra. Será o eu como eu. Seremos nós o eu. Humanize-se! Culpa, remorso, medo, pavor, são sentimentos os quais não se lidam sozinho. Se nem eu com meu eu consigo me unir, quem dirá alguém para nos ajudar.

—Eu eu eu eu eu. Até para discutir isso você é tão egocêntrico.

—Céus, finalmente acabaram seus argumentos. Obviamente, é você quem insiste em ser outro alguém, afinal, esse você sou eu. Nosso diálogo está longe de acabar, mas por agora, vamos apenas deixar um "eu" sossegado? A vida deve continuar, e não deve girar em torno do eu.

—Meu Deus. Meu dEU'S.

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